
Problemas estruturais na política portuguesa
10 de Março, 2025
Da Independência à Servidão Intelectual
10 de Março, 2025Hipocrisia ou Frontalidade: O Desafio Cultural de Portugal
Sempre me intrigou a facilidade com que muitos portugueses preferem a hipocrisia à frontalidade. Há uma tendência generalizada para aceitar melhor aqueles que falam pelas costas do que aqueles que dizem as verdades na cara. Mas porquê? Será uma herança cultural enraizada ao longo dos séculos? O certo é que esta mentalidade tem consequências desastrosas para o país.
A hipocrisia não é apenas uma questão de relações interpessoais; ela infiltra-se na forma como Portugal é governado, como as empresas operam e até na maneira como a sociedade se relaciona com a informação. Esta cultura do faz-de-conta perpetua um sistema onde a competência e o mérito são frequentemente secundarizados em detrimento da conveniência e do compadrio.
As quatro elites de Portugal: No topo da sociedade, encontramos diferentes tipos de elites, cada uma com um papel distinto na forma como o país evolui – ou estagna:
- Elite de Mérito Internacional – Um pequeno grupo de portugueses que, graças à sua competência e inovação, se destacam globalmente. Muitos têm formação internacional e trazem novas mentalidades para Portugal, contribuindo para um crescimento sustentável e moderno.
- Elite Nacional de Mérito – Pessoas que, sem apoio significativo, alcançaram o sucesso pelo seu esforço, visão e competência. Lutam contra um sistema que muitas vezes lhes é adverso.
- Elite da Manipulação – Aqueles que construíram a sua influência através do marketing pessoal e da ilusão de competência. Usam estratégias de autopromoção para consolidar posições de destaque, na sua grande parte, sem um real contributo para a sociedade.
- Elite do Favoritismo – A maior e mais influente elite, composta por indivíduos que chegaram ao poder através de ligações pessoais, favorecimentos e troca de favores, perpetuando um sistema que nos mantém presos ao passado.
A Cultura da Desinformação e do Faz-de-Conta
Outro problema grave é a forma como a sociedade lida com a informação. Muitos portugueses evitam questionar e verificar factos, preferindo acreditar cegamente em narrativas que reforçam as suas crenças. A comunicação social, por sua vez, muitas vezes contribui para a desinformação, promovendo interesses de certos grupos em detrimento da verdade.
Isso reflete-se também no dia a dia, onde clientes são frequentemente informados erradamente, seja num simples telefonema sobre um processo, uma fatura, um cálculo, ou até mesmo em situações mais graves como sinistros, questões de saúde, pagamentos de salários ou impostos. Erros como estes não só geram frustração, mas também resultam em custos adicionais e prejuízos diretos para pessoas e empresas. O mais alarmante é que muitos nem sequer têm plena noção do que está a ser criado nos bastidores.
A impunidade associada a esses erros contribui para um ciclo vicioso onde ninguém é responsabilizado. Se um funcionário público comete um erro grave num cálculo de impostos, o cidadão é obrigado a resolver a confusão. Se uma seguradora falha na comunicação sobre um sinistro, o cliente perde tempo e dinheiro. Se um hospital administra mal um processo, o paciente sofre as consequências. Esta cultura da irresponsabilidade, aliada à falta de transparência, perpetua a estagnação e frustra aqueles que apenas querem um país mais eficiente e justo.
Portugal: Entre o Progresso e a Estagnação
O resultado é um país onde decisões empresariais e políticas desastrosas nos trouxeram a uma das piores fases da nossa história moderna. A falta de meritocracia gera um ciclo vicioso onde a inovação é sufocada e o progresso fica refém de interesses privados. Quem tenta fazer diferente enfrenta resistência, pois aqueles que ocupam o topo da pirâmide receiam perder os seus privilégios.
Felizmente, a mentalidade começa a mudar, sobretudo nas grandes cidades, onde há maior acesso à informação e menos tolerância para a mediocridade. Nas zonas mais rurais, esta transição será mais lenta, mas é inevitável.
A Cultura da “Cunha” e o Bloqueio do Progresso
Precisamos urgentemente de erradicar a cultura da cunha. Contratar pessoas por amizade e não por competência é um dos maiores cancros do nosso sistema. A incompetência nunca foi tão evidente em setores essenciais da sociedade precisamente porque permitimos que pessoas erradas ocupem cargos cruciais apenas porque “conhecem alguém”.
O resultado? Contratos ruinosos, serviços públicos ineficazes, desperdício de recursos e um atraso contínuo no desenvolvimento do país. Se queremos um Portugal melhor, temos de aprender a aceitar a frontalidade, a valorizar o mérito e a rejeitar a hipocrisia.
A hipocrisia está em todo o lado. Quando um gestor contrata um amigo incompetente em vez de alguém qualificado, isso prejudica toda a equipa. Quando um funcionário finge que trabalha, mas na prática apenas segue o mínimo exigido, isso prejudica a empresa. Quando políticos falam em transparência mas fecham acordos de bastidores, isso afeta toda a sociedade. No fundo, a hipocrisia portuguesa é a raiz de muitas das nossas frustrações diárias – e enquanto continuarmos a aceitá-la, nada mudará.
Um Chamado aos Portugueses: Valorizem o Mérito, Não o Compadrio
Portugal tem um potencial enorme. Mas para o concretizar, temos de abandonar a mentalidade do “jeitinho”, das desculpas e da falta de responsabilidade. Quem não quer trabalhar e apenas vive do compadrio deve perceber que não há futuro garantido sem esforço. O mundo está a evoluir rapidamente, e quem não se adaptar e não se qualificar será inevitavelmente ultrapassado. Cursos, formações e aperfeiçoamento contínuo são essenciais para competir num mercado globalizado. O conformismo e a dependência de favores não são soluções sustentáveis. É tempo de abandonar a preguiça institucionalizada e começar a investir no próprio crescimento. Que país queremos deixar para as próximas gerações? A decisão está nas nossas mãos.
Por: Ricardo Gomes